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Saiba aqui quais são e em que pé estão os projetos de leis antiterrorismo que serão debatidos hoje em São Paulo, vistos como ameaça às manifestações durante a Copa

Reportagem
27 de março de 2014
15:44
Este artigo tem mais de 9 ano

Passada a aprovação do Marco Civil da Internet na Câmara dos Deputados, na última terça-feira (25), o foco agora se volta para a casa vizinha. O Senado, além de ser o atual responsável por conduzir o texto de regulamentação da internet, pode, a qualquer momento, nas próximas semanas, avançar com a tramitação das leis antiterrorismo – como foram apelidadas – e que estão estagnadas desde o final de fevereiro.

Plenário do Senado (Foto: Ana Volpe/ Agência Senado)
Plenário do Senado (Foto: Ana Volpe/ Agência Senado)

O Marco Civil da Internet chegou oficialmente ao Senado na última quarta-feira, 26, e pode contribuir para atrasar ainda mais a votação desses projetos que, de acordo com os seus articuladores, deveriam ser aprovados antes da Copa. Se o Marco Civil não for debatido e votado em 45 dias, passa a trancar toda a pauta da casa, impedindo que qualquer proposta legislativa seja votada.

De um lado, diminuem as probabilidades de ter uma legislação antiterrorista promulgada antes da Copa do Mundo, que se inicia em junho. De outro, o Senado mantém na pauta a possibilidade de que, a depender das articulações políticas, uma lei antiterror seja aprovada a toque de caixa.

 Três projetos para tipificar terrorismo

A tentativa de tipificar o terrorismo na legislação brasileira é atualmente encabeçada por três projetos de lei diferentes.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 728, de 2011, é o pioneiro e, provavelmente, o menos promissor dos três. Apresentado pelos senadores Marcelo Crivella (PRB RJ), provável candidato ao governo do Rio, Ana Amélia (PP RS), futura candidata ao governo gaúcho; e Walter Pinheiro (PT BA), o texto pretendia tipificar o terrorismo antes mesmo da realização da Copa das Confederações 2013 e cita explicitamente a Copa 2014 como justificativa, argumentando que é preciso que “honremos os compromissos assumidos na subscrição dos Cadernos de Encargos perante a FIFA”.

O PL 728 foi enviado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) no final de fevereiro e, somente no dia 24 de março, foi designado à relatora Gleisi Hoffmann (PT PR). Caso aprovado na CCJ, não precisa ir a Plenário e segue diretamente para a Câmara dos Deputados (decisão terminativa).

Entretanto, nas quatro comissões em que tramitou, o PL 728 recebeu pareceres desfavoráveis de três – apenas a Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) o aprovou. Prevê penas de 15 a 30 anos para quem “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico ou xenófobo” (em caso de morte, a pena aumenta para 24 a 30 anos). A pena aumenta um terço se praticado em estádios de futebol no dia de jogos da Copa. O PL ainda define penas para terrorismo contra coisa (8 a 20 anos), ataque a delegações (2 a 5 anos), violação de sistemas de informática (1 a 4 anos), falsificação (2 a 6 anos) e revenda ilegal de ingressos (6 meses a 2 anos) e falsificação de credencial (1 a 5 anos), dentre outros.

A condenação mínima do PL 728 é cinco vezes a prevista pela Lei 7.170/83, a quarta e última Lei de Segurança Nacional da Ditadura Brasileira, ainda em vigor, que prevê 3 a 10 anos de reclusão para quem “praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo”. Foi esta a Lei aplicada no enquadramento de Humberto Caporalli, 24 anos, e Luana Bernardo Lopes, 20, durante o protesto em 7 de outubro do ano passado, no Centro de São Paulo. Na época, os dois jovens foram acusados de participar do quebra-quebra de uma viatura policial, detidos na delegacia e encaminhados a Centros de Detenção Provisória no estado (leia o depoimento de Humberto aqui). A acusação dos jovens sob a legislação do período ditatorial chegou a ser criticada pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

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Terrorismo no “novo Código Penal”

Duas semanas após o PL 728 ter sido proposto, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), líder do partido no Senado, apresentou uma proposta bastante similar, o PLS 762/11.

A definição de terrorismo e a pena são exatamente as mesmas do PL 728, com pequenas modificações nos critérios que levam ao aumento da condenação: o PL 762, por exemplo, define que a pena aumenta de um terço se o terrorismo é praticado “em locais de grande aglomeração de pessoas”.

O PL 762 também prevê condenação ao terrorismo contra coisa e traz penas para incitação ao terrorismo (3 a 8 anos), grupo terrorista e financiamento ao terrorismo (5 a 15 anos).

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O futuro do PL 762 é duvidoso. O projeto esteve próximo a ser votado na CCJ, ao final de 2012, após receber relatório favorável do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Entretanto, o próprio senador Aloysio Nunes retirou o PL da Pauta atendendo a um ofício da Presidência do Senado para que o texto tramitasse em conjunto ao PL 707/11, do senador Blairo Maggi (PR MT).

O texto de Maggi, por sua vez, apesar de ter sido publicado em novembro de 2011 não havia avançado na tramitação nem conseguido relatórios favoráveis, como obteve o PL 762 de Aloysio. Além disso, a definição de terrorismo do texto de Maggi é distinta:

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Por fim, ambos os projetos foram anexados ao PL 236/12, da reforma do Código Penal Brasileiro, que tramita com mais de 140 projetos apensados – tornando ainda mais complexo o futuro da lei antiterrorismo. Agora, é preciso que o Senado vote a reforma do Código Penal para que o PL 762 seja aprovado.

A lei antiterror

Após o PL 762 ser apensado à reforma do Código Penal, o mesmo senador Aloysio Nunes participou do PL 499, talvez o mais conhecido dos projetos antiterrorismo. Proposto por uma comissão mista de 14 senadores e deputados presididos pelo senador Romero Jucá (PMDB RR) e o deputado Cândido Vaccarezza (PT SP), o projeto foi publicado em novembro de 2013.

O texto tem pontos bastantes similares ao 762 e ao 728, define terrorismo como “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa”, e mantém a mesma pena de 15 a 30 anos de reclusão. O projeto também prevê condenação ao terrorismo contra coisa, incitação, formação de grupo terrorista e financiamento.

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A diferença é que, por ser proposto por uma comissão mista, o PL 499, inicialmente, não precisaria passar à CCJ e seria avaliado – e votado – pela própria comissão que o propôs no Senado e na Câmara.

Contudo, em fevereiro de 2014, o senador Paulo Paim (PT RS) entrou com requerimento para que o texto fosse enviado à Comissão de Direitos Humanos. “Eu apresentei a pedido de comissões de direitos humanos do Brasil e a nível internacional. Me apresentaram que essa lei, da forma que está, irá criminalizar os movimentos sociais”, explica o senador à Pública.

Paim confirmou que o requerimento foi uma estratégia para que a matéria não fosse votada prontamente. “Da forma genérica como está escrito, abre espaço para você inibir que haja manifestações como as jornadas de junho que aconteceram no país. Não terá o nosso apoio. Eu acho que não há necessidade ter uma lei antiterrorismo no Brasil. É um trabalho desgastante, desnecessário e que não corresponde à realidade da jovem democracia brasileira”, completa.

omissão que analisa a regulamentação de dispositivos da Constituição avalia o relatório parcial do senador Romero Jucá (PMDB-RR) sobre o crime de terrorismo e greve no serviço público. À esquerda, o presidente do colegiado, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). (Foto: Alessandro Dantas /Agência Senado)
Comissão que analisa a regulamentação de dispositivos da Constituição avalia o relatório parcial do senador Romero Jucá (PMDB-RR) sobre o crime de terrorismo e greve no serviço público. À esquerda, o presidente do colegiado, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). (Foto: Alessandro Dantas /Agência Senado)

O deputado Cândido Vaccarezza discorda: para ele, é necessário que o Brasil tenha uma lei antiterrorismo. “Há 25 anos, quando foi elaborada, a Constituição disse o seguinte: é preciso ter uma legislação específica do crime de terrorismo que será regulamentada em Lei Federal – isso nunca foi discutido ao longo desses anos”, disse à reportagem. O deputado explicou que o PL 499 se insere em um conjunto de mais de 100 assuntos que estão sendo avaliados pela Comissão Mista da Consolidação da Legislação Federal e regulamentação de dispositivos da Constituição Federal, criada em 2013 pelo Senado e Câmara.

Quando questionado se a legislação poderia criminalizar movimentos sociais, Vaccarezza responde: “isso é uma crítica de quem não entende do assunto. Não existe hipótese em um projeto desse de criminalizar movimentos sociais. Não cabe na lei”, assegura.

Vaccarezza afirma que o PL 499 não tem nenhuma relação com as manifestações de rua ou black blocs. “Nada disso. Tem relação com o seguinte: vai ter Copa, teve a vinda do Papa, o Brasil cada vez mais vai receber eventos internacionais, vem o Elton John na Bahia… Se um grupo terrorista quiser matar metade da delegação americana, vai ser julgado no Brasil pelo Código Penal, não tem um código específico para punição de crime terrorista”, argumenta.

A Pública tentou contato durante semanas com o senador Aloysio Nunes, sem sucesso.

Ainda em fevereiro, os senadores Eduardo Braga, Randolfe Rodrigues e Eduardo Suplicy entraram com requerimentos para quem o PL 499 passasse também pela CCJ e Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

Agora, os requerimentos precisam ser aprovados ou rejeitados antes que o PL 499 possa avançar, votação que pode ser realizada de forma simbólica sem que isto precise ser incluído na ordem do dia.

Vaccarezza afirmou que a Câmara dos Deputados têm condições de votar rapidamente a proposta assim que liberada do Senado, mas disse não estar articulando a aprovação do PL junto à presidente.

Há ainda a possibilidade que o senador Eunício Oliveira (PMDB CE), que conta com apoio do presidente do Senado Renan Calheiros, elabore uma nova proposta de tipificação do terrorismo, ainda sem prazo. A Pública tentou contato com o senador, mas não obteve resposta até o fechamento.

OBS.: O gráfico acima é baseado nas penas para prática de terrorismo, sem incluir o agravamento da pena, por exemplo, se do ato resulta morte. Em 1969, por exemplo, esse agravamento poderia levar à prisão perpétua e até à morte.

Contra o terrorismo vs. anti-antiterror

O deputado não está sozinho na defesa da necessidade urgente de uma tipificação na legislação brasileira, tendo como justificativa a Copa do Mundo e mesmo o crescimento econômico e político do Brasil no cenário internacional, apesar do risco que podem representar, como destacou o senador Paim.

“Nenhum país do mundo está imune a essa ameaça. Precisamos estar preparados para que, se ocorre uma atentado de qualquer tipo, tenhamos condições de punir os responsáveis com o rigor que esse tipo de ameaça representa”, argumenta Leandro Piquet Carneiro, professor do Instituto de Relações Internacionais de Universidade de São Paulo (USP).

Carneiro não acredita que seria possível enquadrar um ato eventual de uma manifestação como ato de terrorismo com base nas propostas de lei antiterror. “Fica claro que atos como os que os black blocs organizam são um ato de violência política – que deveriam ser assunto do legislativo – mas não terrorismo. Não vejo aonde essas coisas poderiam ser confundidas. Quem não gosta da legislação antiterror criou essa falsa confusão, uma coisa é voltada para proteger Estado e sociedade de um tipo de ameaça muito específica, que é absurdamente necessária, versus uma onda de violência política praticada por organizações novas que não são terroristas. São conversas paralelas”, diz.

Imagem Fernando Frazão - Agência Brasil
Foto: Fernando Frazão – Agência Brasil

Sem acreditar no argumento de que a legislação anti-terrorismo não seria aplicada contra as manifestações e movimentos sociais, o Comitê Popular da Copa de São Paulo e o Comitê Pela Desmilitarização da Polícia e da Política realizam hoje um debate crítico às propostas antiterror.

“A pergunta que nós, dos Comitês Populares da Copa, e os movimentos populares tem feito é: como você vai separar o joio do trigo se o projeto é absolutamente genérico? A legislação não pode ser uma previsão genérica que busque abarcar todos os casos. Quando o Projeto de Lei coloca uma tipificação tão genérica e aberta, é impossível para nós termos a ilusão [de] que não há a intenção do Estado de criminalizar os movimentos populares – e isso não apenas pela legislação do terrorismo, mas por conta de outras iniciativas que temos observado, como o Decreto de Lei e Ordem, que diz, com todas as letras, que movimentos sociais são forças oponentes do Estado “, diz Juliana Machado, membro do Comitê Popular da Copa de São Paulo e da articulação nacional.

A militante se refere a uma portaria publicada em dezembro de 2013 pelo Ministério da Defesa que estabelece o uso das Forças Armadas para a garantia da Lei e da Ordem. O texto define como forças oponentes ” São segmentos autônomos ou infiltrados em movimentos sociais, entidades, instituições, e/ou organizações não governamentais que poderão comprometer a ordem pública ou até mesmo a ordem interna do País, utilizando procedimentos ilegais”. Após receber críticas, o ministro da Defesa, Celso Amorim, determinou ‘ajustes pontuais’ no conjunto de regras.

“Nós sabemos que mudar as palavras não muda as intenções. Para nós é bastante complicado perceber que existe toda uma constelação de iniciativas nesse sentido e não vamos nos iludir que esse PL específico (PL 499) não vai nos atingir”, completa Juliana.

“Tipificar o crime de terrorismo foi percebido pela sociedade como um retrocesso democrático muito grande, especialmente agora que estamos rememorando os 50 anos da Ditadura Militar. A imagem de ‘procura-se terroristas’ com a fotografia de militantes políticos fizeram parte da nossa história é muito marcada na nossa sociedade. Foi essa a imagem que chegou à memória das pessoas de forma muito clara com essa iniciativa”, diz Gabriel Elias, cientista político e membro do Comitê Pela Desmilitarização da Polícia e da Política.

Gabriel, entretanto, sinaliza que lhe preocupa ainda mais a aprovação de um projeto vindo do Executivo que limite o direito de manifestação. Ele faz referência ao texto, ainda mantido em segredo, que circula entre a presidente, a Casa Civil e o Ministério da Justiça e que deve trazer limitações ao uso de máscaras e aumentar a pena por danos ao patrimônio público em manifestações. A Pública conversou com a assessoria da Casa Civil que afirmou não ter previsão para que a proposta seja enviada ao Congresso e tampouco confirmou o teor do texto.

“Eu acredito que é uma ameaça muito maior que o governo tome a iniciativa de aumentar a carga de criminalização de movimentos sociais [do] que um parlamentar que tipifique o terrorismo. Hoje eu acho muito difícil que seja aprovada uma lei de terrorismo. Já o próprio ato do governo federal enviar um projeto desse tipo já passa uma mensagem muito grave. E segundo que, com o governo federal enviando essa lei a probabilidade de se aprovar uma lei é muito maior”, completa Elias.

O Comitê Pela Desmilitarização da Polícia e da Política irá lançar em breve uma campanha nacional junto a políticos e artistas no site Avaaz  pela desmilitarização e contra legislações que cerceiem o direito à manifestação.

O debate sobre as leis antiterror acontece nesta quinta-feira (27), às 19h no Espaço Latino Americano, à rua da Abolição 244, no Bexiga. Ele será transmitido via streaming pela Mídia Negra.

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