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Na segunda semana de peregrinação pela América do Sul, nossa repórter visita o local de origem das múmias Chinchorro, no Chile, e conhece de perto a foça do kirchnerismo no norte da Argentina

Reportagem
13 de julho de 2013
20:36
Este artigo tem mais de 10 ano

|06/07/2013| O Patrimônio da Humanidade que nem está no mapa

A Caleta de Camarones é uma vila de pescadores, mas não é uma vila de pescadores. É propriedade privada de um grande conhecido de todo Chile, Don Manuel Ariztia, dono da maior empresa no setor de alimentos do país, a Agricola Ariztia. Mas também é muito mais que isso. Daqui saíram as múmias mais antigas do mundo, as múmias Chinchorro, embalsamadas pela civilização deste pedaço da América, entre o sul do Peru e o Norte do Chile, cerca de 2 mil anos antes das múmias egípcias. A mais antiga, de uma criançaChinchorro, data de 5050 antes de Cristo. Nem por isso Caleta de Camarones foi agraciada com o título de Patrimônio Cultural da Humanidade.

Assim, oficialmente, a pequena Caleta de Camarones não está nem no mapa. As pessoas que vivem aqui – 10, permanentemente, de um total de 25 – não estão no mapa. A vilae seus pescadores não têm água encanada nem rede elétrica. A água vem uma vez por semana com o caminhão pipa e a luz sai de um gerador, em uma das casas do vilarejo. Muitas vezes, falta.

Naquela parte do litoral chileno, à margem do Oceano Pacífico, o inverno é repleto de neblina. As crianças brincam livremente entre o som alto que sai das casas – de reggaeton a Jon Bon Jovi. A música não falta, mas a contaminação do mar faz faltar, nos últimos anos, peixes e animais do mar, que escapam das mãos dos poucos pescadores.

Não muito longe da vila há dois sítios de pesquisa arqueológicas onde foram encontradas as múmias Chinchorro, cuja civilização ocupou a região entre 5000 e 1800 antes de Cristo. Elas foram encontradas por uma tragédia mais recentes: a suspeita de que ali estariam enterrados corpos de desaparecidos pela repressão do Estado chileno durante a ditadura de Augusto Pinochet.

Os únicos vestígios encontrados, porém, foram da antiga população pescadora da região de Arica. Além das múmias, o passado pode ser visto em camadas de sedimentos; cada camada revelada com as escavações representa mil anos na linha do tempo.

Quem gerencia a pequena vila é Eduardo Cepeda, natural de Iquique, que está ali há 24 anos, em uma casa que é sua, mas não é sua – pertence ao dono da terra, ou à Humanidade. Cepeda já foi pescador e não tem o costume de dizer Chile, mas sempre “meu país”. Numa conversa informal, o alcalde de mar – como oficialmente é chamado seu cargo – filosofa que o grande problema que toca a Caleta é mais profundo. “No meu país não se ensina às pessoas o que diz respeito à constituição civil do país, os direitos constitucionais. Porque aí abre os olhos das pessoas, né?”.

Por enquanto, os olhos dos poucos que mantém suas casas na Caleta de Camarones estão voltados para a possibilidade do lugarejo se tornar Patrimônio Cultural da Humanidade. Ponto turístico. E aí, sim, finalmente, um registro no mapa.

|09/07/2013| Hoje, todo mundo adora Cristina

Todo mundo na pequena Argentina adora Cristina. Pelo menos, nesta pequena Argentina reunida no hipódromo de Tucumán no festivo nove de julho – dia da independência do país. Por um dia, este dia, a capital do país é San Miguel de Tucumán, no norte da Argtentina, local onde nesta data, em 1816, foi proclamada a independência da coroa espanhola.

Duas horas antes que Cristina Kirchner, a presidenta do país, subisse ao palco ao lado do governador e de políticos das províncias nortistas da Argentina, eu estava em um ônibus velho, infestado pelo cheiro de fumaça da queima de diesel. Enquanto o ônibus avançava a caminho do palanque, vários outros seguiam juntos, ao redor, cheios de gente. O corredor de entrada do hipódromo era tomado por barracas de comidinhas, empanadas, salgadinhos. Dali já se avistavam as placas e bandeiras nas mãos da multidão. O som dos tambores e dos fogos de artifício. Peronistas, kirchenistas. Todos quieren Cristina.

Antes que a presidenta da Argentina subisse ao palco para falar, enfática coimo sempre, de seu falecido marido até as recentes revelações de espionagem dos Estados Unidos trazidas pelo ex-contratista da NSA Edward Snowden, meninos, adultos e alguns idosos a esperavam avidamente. “Estamos aqui porque a presidenta nos dá planos”, explica um menino de 15 anos que vende algodão doce, já dentro do hipódromo. Ele conta que sua família recebe a Asignación Universal por Hijo, um tipo de subsídio que o governo dá às mães desempregadas. Com o dinheiro, compra roupas e o material para a escola. Aos fins de semana e feriados, ele vende algodão doce para complementar a renda familiar.

A espera dos tucumeños continuava ao som de reggaeton e cumbia, enfiados nas suas roupas humildes e abraçados às mesmas bandeiras que enfeitavam cada metro do local: bandeiras de intendências e governantes locais associados ao nome de Cristina para onde quer que se olhe.
Soledad Toledo, de 28 anos, destoa da maioria dos presentes com suas roupas bem acabadas de clase média. Ela é advogada e apoiadora do governador de Tucuman,  José Alperovich, empresário poderoso na região, aliado próximo de Cristina – e cuja família tem laços em todas as esferas de poder. “Apoio pelo programa nacional de inclusão social, que permite que todos nós possamos crescer como povo”, diz a advogada.

Alfredo, consultor privado, está ali pela igualdade e pela democracia. “Quem prefere os militares, que se vá para um quartel”, resume. Cristián, de 34 anos, está ali porque com o emprego que conseguiu em uma cooperativa criada pelo governo local, diz que parou de roubar coisa pouca, como fazia. Miguel Nonges, aposentado, fala com paixão e emoção ao demonstrar seu apoio. “Não penso só em mim, penso em todos”. Sua esposa comemora: “é uma década ganha”. Dez anos de kirchnerismo.

Ali não se vê oposição. Desde 2003, José Alperovich é o governador único, já que em 2006 uma emenda apresentada por ele mesmo garantiu a reeleição para governador. Ele já estava no cargo, mas não valia. Pode se eleger ainda mais duas vezes; e isso porque outra proposta de seu grupo, de mais uma reeleição, não vingou.

É quando a voz da cantora Mercedes Sosa começa a soar, retumbante. “Somos todos Argentina”, diz o apresentador de tempos em tempos.

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