Buscar

Em entrevista, conselheiro do CDDPH fala sobre GT criado para investigar remoções forçadas para megaeventos e pergunta: “Omelete com os ovos de quem?”

Reportagem
2 de novembro de 2012
08:00
Este artigo tem mais de 11 ano

Acolhendo as denúncias dos movimentos populares sobre as remoções forçadas de comunidades para obras da Copa, o Conselho de Defesa do Direito da Pessoa Humana (CDDPH) da Secretaria dos Direitos Humanos criou o Grupo de Trabalho Moradia Adequada em uma inciativa inédita. O GT, criado em agosto, vai recolher informações sobre os problemas de moradia enfrentados pela população, com foco nos impactos de megaprojetos e megaeventos, e encaminhar recomendações aos Municípios e Estados.

Em entrevista ao Copa Pública, o professor e conselheiro do CDDPH, Eugênio Aragão, confirma que a criação do GT é fruto da mobilização da sociedade e da cobrança dos movimentos populares, o que também facilitou o diagnóstico do problema: depois de algumas visitas às cidades sede, o grupo identificou um padrão de violação de direitos: “Com a desculpa de que os moradores são invasores, as prefeituras ignoram por completo seus direitos. Muitas vezes a comunidade está ali há 10, 20 anos e é sistematicamente assediada pela prefeitura”. Aragão afirma também que a desinformação da população sobre as áreas que serão despejadas e o destino que será dado às comunidades é parte de uma tática das gestões municipais para evitar enfrentamento: “Eu diria que manter a população desinformada é parte da tática, para poder surpreendê-la e não contar com resistência organizada judicialmente inclusive”. Leia:

Por que o grupo foi criado?

O GT foi criado a pedido da sociedade civil e de várias entidades vinculadas ao direito de moradia. Temos no grupo representantes dessas entidades, inclusive. O conselho foi pautado pelos movimentos sociais. Nós visitamos até agora Fortaleza, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.  Temos duas linhas: impactos de megaeventos e impactos de desastres naturais. Muitas vezes a gente sabe que existem obras públicas que não têm nada a ver com a Copa mas que simplesmente são rotuladas assim para passar por cima de tudo e todos. Simplesmente porque tem um “selinho” da Copa do Mundo. Muitas obras são oportunistas neste sentido.

E o que o senhor já pode dizer sobre essas primeiras visitas?

Nós ainda vamos fazer o relatório oficial e as recomendações, mas o que eu posso antecipar é que os problemas são parecidos em todas as cidades. O principal deles é que as obras são feitas implicando no desalojamento de pessoas que nunca são informadas sobre os projetos, datas, quais são os direitos, o que elas vão ganhar em troca, para onde vão, ou seja: se mantém a população afetada em absoluto desconhecimento. Em alguns casos por desorganização e em outros é parte da tática: manter a população desinformada para poder surpreendê-la e não contar com resistência organizada.

O segundo problema é a deslegitimação dos moradores. Com a desculpa de que são invasores, se ignora por completo o direito deles à moradia. Muitas vezes as comunidades estão a 10, 20 anos no mesmo lugar e são sistematicamente assediadas pela prefeitura. Isso é um padrão nas cidades, de desrespeito aos direitos das pessoas, de recusa de diálogo com a comunidade. É uma coisa assustadora. E apoiado por uma classe média que gosta muito dessas medidas de gentrificação urbana que “tiram o feio” de suas vistas.

O senhor falou sobre algumas obras que nem são para os megaeventos…

Mas levam esse “selinho”. Um exemplo é o VLT de Fortaleza. Eu chamo aquilo de uma obra oportunista. O presidente do Metrofor [Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos S.A] estava muito bravo quando falou com a gente, dizendo que está fazendo um favor ao contribuinte já que a obra está sendo muito barata. Bom, então por que não aproveita e investe nos bairros? Por que expulsa as pessoas de bairros onde elas estão a 40, 50 anos? A gente ouve falar que não se faz omelete sem quebrar ovos, mas o problema é: de quem se quebram os ovos? 

Mas essa inciativa da Secretaria de Direitos Humanos é inédita, não?

No Brasil as coisas se fazem para inglês ver e a gente sabe como nossos administradores trabalham. Por isso a gente tem que ter esta cautela. Talvez a situação mais grave que encontramos tenha sido a da Vila Autódromo no Rio de Janeiro, que está titulada pelo Governo do Estado. O Leonel Brizola deu a eles a concessão de uso para fins de moradia pelo prazo de 99 anos, o Estado depois cedeu uma área enorme ao município mas deixou bem claro que deveria respeitar a Vila Autódromo e a prefeitura diz que não tem nenhuma obrigação com aqueles moradores e que vai tirar de qualquer jeito. E diz que a Vila Autódromo polui a lagoa de Jacarepaguá por causa de aterros, só que ao lado tem o Rock’n’Rio, que invadiu mais de 500 metros da lagoa. Mas aterrar a lagoa tudo bem, sobre isso a prefeitura não reclama. Existe inclusive um projeto de revitalização feito pela UFRJ para a Vila Autódromo que poderia ser um cartão de visitas do Brasil ao mostrar a integração social e ambiental com um projeto de dignificação de vulneráveis. Ao invés disso, o prefeito prefere destruir.

Quais são os próximos passos do GT?

Nós paramos as visitas por causa das eleições, para não parecer algo eleitoreiro, e vamos retomar em novembro. Mas já temos dados suficientes para mostrar nossa tese a respeito de várias recomendações que vão ser feitas. Vamos fazer um relatório com recomendações, que vai ser submetido ao ao CDDPH. Aprovado, ele será remetido à Secretaria dos Direitos Humanos para se articular com outros ministérios e os governos federais e municipais para implementar estas recomendações.

E existe uma data?

Queremos entregar essas recomedações até março no máximo. A situação é muito grave, não dá para esperar mais.

  

O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes