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Reportagem

Documentos da CPI confirmam: Jacob Barata superfaturou aluguel de garagens no Rio

Contratos obtidos pelos vereadores na CPI dos Ônibus confirmam denúncia da Pública; empresário nega

Reportagem
19 de fevereiro de 2018
09:00
Este artigo tem mais de 6 ano

Jogando nas duas pontas, como proprietária e locatária das garagens onde guarda os ônibus de suas empresas, a família Barata fez aumentos astronômicos de aluguéis para embolsar recursos do sistema de transporte na cidade do Rio de Janeiro. Documentos obtidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Vereadores revelam que o aumento na locação de garagens do grupo ultrapassou dez vezes o índice de reajuste de mercado (IGP-M) entre 2011 e 2016.

No “Especial Catraca”, publicado em agosto do ano passado, a reportagem da Pública já havia identificado que os empresários de ônibus são proprietários, também, de diversas imobiliárias nas cidades onde atuam. Em geral, são essas empresas que alugam as garagens a preços exorbitantes.

O uso dessas firmas para mascarar sobrelucro do transporte público foi apontado pela primeira vez durante a CPI dos Ônibus de Niterói em 2013. No ano passado, a Pública denunciou que o mesmo esquema podia se repetir no Rio de Janeiro. Os contratos de locação obtidos pela CPI carioca confirmam a suspeita.

Na teoria, os empresários lucram por meio da Taxa Interna de Retorno (TIR), que varia de acordo com o consórcio e está estipulada no contrato de concessão. A taxa incide sobre os custos do sistema e, em média, é de 8%. Mas, na prática, controlando outras empresas que fornecem serviços aos ônibus, alguns conseguem captar mais que isso, como os Baratas.

A Pública teve acesso à evolução dos valores de aluguel de 11 empresas de ônibus que operam na cidade (confira os documentos). Aquelas comandadas pelos Baratas destacam-se pelo aumento gigantesco no valor ao longo dos últimos anos, como as transportadoras Verdun, N. S. das Graças e Transurb. Apesar de serem imóveis com características e localizações diferentes, entre 2011 e 2016, o aluguel cobrado para as três era o mesmo e a mudança ano a ano seguiu o mesmo padrão.

No período, a fatura mensal subiu de R$ 100 mil para R$ 550 mil, um aumento de 450%. Se seguido o índice mais comum para reajuste, o aumento seria de cerca de 40% e o aluguel chegaria a R$ 140 mil por mês em 2016.

Na avaliação do vereador Tarcísio Motta (Psol), houve superfaturamento dos aluguéis e os gastos acabam “justificando um discurso de falência das empresas”. Cálculos feitos por sua equipe mostram os rombos que os gastos com garagens deixam nas contas das empresas.

Em 2016, por exemplo, a Verdun declarou prejuízo de R$ 3,7 milhões, mas caso seguisse a correção do IGP-M teria economizado R$ 4,4 milhões. Naquele ano, a empresa gastou R$ 6 milhões só em aluguel.

Se desconsiderados apenas os gastos com garagens entre 2010 e 2016, o orçamento da Verdun, N. S. das Graças e Transurb também sairia do vermelho, passando a acumular lucros da ordem de R$ 18 milhões cada uma no período.

Segundo a defesa de Jacob Barata Filho, “o aumento indicado decorre de uma recomposição histórica do valor do aluguel feita por empresas de corretagem terceirizadas, que fizeram uma reavaliação de acordo com os valores praticados pelo mercado”.

Jacob Barata Filho foi preso pela Polícia Federal

Mas especialistas destacam que se trata de um aumento fora do normal. “É uma valorização atípica, sem dúvida, sobretudo em um período em que o mercado [imobiliário] iniciou um arrefecimento notório. Os reajustes ultrapassam em muito a razão do IGP-M para o período”, destaca Raphael Ferreira, advogado e especialista em avaliação imobiliária.

Esquema de compras dos terrenos

Assumindo ao mesmo tempo os papéis de proprietários e locatários das garagens, os Baratas literalmente fizeram do valor do aluguel um assunto de família. O esquema envolve o uso de imobiliárias próprias que adquirem terrenos e os alugam para empresas do grupo.

É o caso da Verdun Empreendimentos Imobiliários, que tem contrato até maio deste ano com a viação homônima. Tanto a imobiliária quanto a empresa de ônibus são representadas pela mesma dupla: Jacob Barata Filho e David Ferreira Barata, seu irmão. Pelos termos do contrato, a correção deveria ser baseada no IGP-M, porém renegociações anuais jogaram o valor das correções para cima.

A família Barata fez aumentos astronômicos de aluguéis para embolsar recursos do sistema de transporte na cidade do Rio de Janeiro

Como boa parte das demais imobiliárias dos empresários de ônibus, a Verdun Empreendimentos não se interessa por angariar clientes. Atende apenas aos negócios de seus donos. O endereço oficial da empresa é a própria garagem da viação, em Piedade, zona norte do Rio Janeiro. O telefone de contato leva a uma “assessoria comercial” que nega relação com o grupo. Não há site ou e-mail. Ainda assim, em 2017 a Justiça encontrou e confiscou R$ 34 milhões na conta bancária da empresa.

Os valores praticados nos contratos de aluguéis de outras empresas ficam muito abaixo dos praticados pelo grupo pertencente à família Barata. A única exceção é a Translitoral, que se comprometeu com um aluguel de R$ 620 mil em 2016.

Quanto às demais, o valor não ultrapassa R$ 25 mil. Em 2011, por exemplo, a viação Rubanil fechou negócio com a Transporte América para utilizar o estacionamento da empresa na Pavuna. O aluguel mensal foi de R$ 6.584, com correção pelo IGP-M. De acordo com os números apresentados por essas empresas, os reajustes de fato ocorreram próximos do padrão de mercado.

Superfaturamento pode impactar revisão da Tarifa, diz membro da CPI

Apesar de o reajuste anual do preço da passagem supostamente levar em conta somente índices oficiais, as revisões de tarifa plurianuais – revisões previstas para acontecer de 4 em 4 ano pra equilíbrio financeiro do contrato – são impactadas pelos custos efetivos do sistema. Segundo a Secretaria Municipal de Transporte, os custos com as garagens entram no cálculo da tarifa no item “Outras Despesas”.

Na planilha de custo utilizada na última licitação, a estimativa do peso total dos custos com garagens e oficinas no valor da passagem era de 1,6%. Na prática, porém, a CPI constatou que algumas rubricas tiveram peso muito maior do que o previsto, chegando a diferenças da ordem de 60.000% do valor inicial.

Porém, todo debate em torno dos números das empresas é prejudicado já de partida, pois os balanços financeiros apresentados são duvidosos. Em depoimento na comissão, técnicos do Tribunal de Contas do Município atestaram a “falta de confiabilidade na documentação contábil e operacional” das empresas.

“Em cada ano, há um elemento de ilegalidade nos reajustes da passagem no Rio de Janeiro. Todos eles. E a nova fase da auditoria da PwC, que calcula o novo preço da tarifa, leva em conta o fluxo de caixa, incluindo essa despesa. Ou seja, o valor dos aluguéis impactará diretamente o preço das passagens. Quanto maior a despesa apresentada, maior a capacidade de justificar o aumento da tarifa”, avalia o vereador Tarcísio Motta.

Mesmo citado, Eduardo Paes escapou da convocação

Durante a CPI, ex-funcionários da prefeitura convocados para depor apontaram o ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB) como o responsável por decisões que favoreceram diretamente os empresários de ônibus. É o caso da entrega da bilhetagem às empresas controladas por eles, algo raro no mundo e aspecto criticado na auditoria realizada pela PwC, obtida pela Pública em setembro último. Ex-secretário municipal de Transportes, Alexandre Sansão confirmou que essa foi uma decisão “política” e “estratégica” tomada diretamente por Eduardo Paes.

Já Hélio Borges Faria, ex-subsecretário e ex-presidente da comissão de licitação que consagrou o sistema atual, atribuiu ao prefeito a decisão de incluir itens que não estavam na fórmula do contrato, utilizada para os reajustes anuais, como gratuidades e a instalação de ares-condicionados nos veículos.

Apesar das menções, aliados de Paes barraram sua convocação na CPI. O prazo para encerramento das atividades da comissão na Câmara é 2 de abril.

CPI estadual começa amanhã

Enquanto essa CPI municipal prepara-se para os encaminhamentos finais, os deputados estão prestes a começar outra na Assembleia. A CPI dos Transportes será presidida por Eliomar Coelho (Psol), um crítico ferrenho dos empresários de ônibus.

Serão membros titulares Geraldo Pudim (PMDB), Gustavo Tutuca (PMDB), Martha Rocha (PDT), Gilberto Palmares (PT), Milton Rangel (DEM) e Nivaldo Mulim (PR). Como suplentes, foram escalados Zito (PP), André Lazaroni (PMDB), Dr. Deodato (DEM), Flávio Serafini (Psol), Zeidan (PT), Rosenverg Reis (PMDB) e Flávio Bolsonaro (PSC).

A proposta de plano de trabalho do presidente organiza-se em cinco eixos de investigação: cadeia de comando governamental do setor de transporte; o sistema de bilhetagem eletrônica Riocard; subsídios e uso de fundos públicos que beneficiaram o setor; análise da gestão de empresas e concessionárias, como os trens da Supervia, o metrô ou as barcas; e, por fim, a avaliação da capacidade operacional das agências de fiscalização estaduais.

Entre os nomes que Eliomar Coelho pretende convocar estão Júlio Lopes, deputado federal e ex-secretário de Transportes no estado (2007- 2014); Carlos Osório, deputado estadual e ex-secretário de Transportes (2015 e 2016); Rodrigo Vieira, secretário desde 2016; Régis Fichtner, ex-secretário da Casa Civil; Fernando Moraes, presidente do Detro; e César Mastrangelo, ex-presidente da Agetransp.

Novamente, porém, a oposição estará em minoria e é possível que aliados do governo dificultem o andamento das investigações. O início dos trabalhos e a definição do relator estão agendados para amanhã, dia 20 de fevereiro.

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