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O Iêmen é um grande aliado dos EUA na guerra contra o terror. Ataques à Al-Qaeda no são assumidos pela sua força aérea, mas a reportagem mostra que ela está sucateda

Reportagem
9 de abril de 2012
07:58
Este artigo tem mais de 11 ano

Dados extensivamente coletados pelo Bureau of Investigative Journalism, parceiro da Pública, revelam que pelo menos oito ataques aéreos foram lançados contra alvos supostamente militantes da Al-Qaeda no sul do Iêmen, matando no mínimo 102 pessoas. Mas fontes locais e especialistas descrevem a força aérea iemenita como decrépita e inadequada, em parte por causa da corrupção no país.

De acordo com o International Institute of Strategic Studies (IISS), a Força Aérea do Iêmen tem equipamento e treinamento insuficientes para defender o próprio espaço aéreo. O analista iemenita Abdul Ghani Iryani diz que a corrupção endêmica indica que a força aérea “não funciona há tempos”.

“As histórias de corrupção são fenomenais”, ele diz. Pilotos não podem voar de noite porque a corrupção nas aquisições militares leva à falta de instrumentos de navegação. Em 2011, oficiais iemenitas apoiaram esta afirmação ao confirmar à Associated Press que um ataque em 14 de julho foi realizado por aviões não tripulados americanos, já que os seus aviões não estão equipados para ataques noturnos.

Baixo moral

Eventos recentes mostraram que o moral e a disciplina na Força Aérea do Iêmen ruíram quase completamente. Em 22 de janeiro, pilotos e equipe de terra entraram em greve. Por dois meses, cerca de 2 mil dos 3 mil homens da força aérea ocuparam as ruas, protestando contra a corrupção e o nepotismo.

Esses fatos demonstram que os iemenitas não têm poder de fogo para lutar em uma campanha aérea contra a Al-Qaeda. E que os EUA têm estado por trás da maioria dos ataques aéreos recentes.

Mesmo assim, a Força Aérea do Iêmen continua a assumir ataques aéreos americanos como sendo seus próprios. Um despacho diplomático liberado pelo WikiLeaks expõe esta decepção. Enquanto discutia a campanha contraterrorista iemenita-americana com o general David Petraeus, o então presidente Ali Abdullah Saleh teria afirmado “Nós continuaremos dizendo que as bombas são nossas, não suas”.

Enquanto cobria os protestos dos grevistas na capital Sanaa para a Aviation Week, a jornalista Sharon Weinberger descobriu que a força aérea mal estava funcionando. “Minha impressão foi de que a força aérea como um todo estava à beira de um colapso”, afirmou ao Bureau.

De acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), o Iêmen possui 79 aeronaves hábeis a combater, mas algumas destas são descritas como “não confiáveis”, em especial os caças MIG-21, de 19 anos de “idade”.

A força aérea é uma “salada mista de equipamentos soviéticos e americanos”, diz Weinberger. Manter os aviões no ar é um desafio. E peças sobressalentes para algumas aeronaves são difíceis de chegar – algumas são tão velhas que os fabricantes nem existem mais. Alguns dos 15 caças F-5 da época da Guerra Fria são capazes de voar, segundo Weinberger. Mesmo assim, ela relata que por volta de cinco são completamente inoperáveis, com motores desfalcados pela busca por peças de substituição.

Isto ocorre apesar dos EUA terem dados 326 milhões de dólares em assistência à segurança entre 2007 e 2011. A maior parte do dinheiro foi dirigido à manutenção de aviões de transporte e helicópteros, diz Katherine Zimmerman do American Enterprise Institute.

Porém, o US Government Accountability Office, órgão do congresso americano responsável pela auditoria das contas americanas, relata que parte do auxílio financeiro às forças armadas do Iêmen são para sustentar “alguns dos seus caças F-5”.

O que dizem os analistas

Os EUA fornecem treinamento e equipamento para as forças armadas do Iêmen. Além do fornecimento de peças sobressalentes e de reposição, muitos soldados iemenitas viajam aos EUA para treinamento. E Sharon Weinberger diz que pessoal americano tem entrado e saído do aeroporto de Sanaa para inspecionar o avião de transporte C-130 Hercules, da força aérea do Iêmen.

As Forças Especiais dos EUA atuam no país. No último ano, em meio a relatos de uma nova base de aviões não tripulados sendo construída na península árabe, houve especulação de que o governo Obama iria erguê-la no Iêmen.

Alan Warnes, correspondente da AirForces Monthly, cita Camp Lemonnier, no Djibouti, como uma possível base para os ataques aéreos americanos. Ele diz que ali ficam seis caças F-15.

Em 2004 e 2005, o Iêmen comprou 20 MIG-29 russos. É difícil dizer quanto o Iêmen pagou. Mas Scott Johnson, da empresa de análise de defesa Jane’s, estima que cada avião deve ter custado cerca de 40 milhões de dólares. As aeronaves mais avançadas do Iêmen são seus 16 MIF-29. Os jatos russos podem carregar armas teleguiadas – as chamadas “bombas inteligentes”, necessárias para ataques de precisão.

Mas o analista iemenita Abdul Ghani Iryani acredita que o arsenal da força aérea não inclui bombas inteligentes. Ele lembra que em um episódio aeronaves do governo erraram o alvo de rebeldes e acabaram bombardeando um oleoduto.

Em 2010, a Human Rights Watch relatou que não era sabido se o Iêmen tinha comprado armas teleguiadas, mas o mesmo relatório diz que o governo iemenita usou bombas não-guiadas nos ataques contra rebeldes Houthi no norte do país. Em uma longa guerra separatista no nordeste do Iêmen, os rebeldes Houthi têm enfrentado as forças do governo há oito anos.

Além de sua habilidade

A força aérea do Iêmen não tem capacidade para ataques de precisão contra a Al-Qaeda, acredita Warnes. Missões de vôo noturno provavelmente estariam além de suas habilidades. “As únicas aeronaves capazes de voar à noite seriam caças um tanto antiquados”, ele diz. “Eu acho que são os americanos que estão fazendo isso em vez dos iemenitas”.

“O volume de ataques a militantes está sendo feito por outro pessoa”, concorda Iryani. Mas segundo a Jane’s, o Iêmen possui dois tipos de mísseis teleguiados, carregados por helicópteros. O AT-2 Swatter, da era soviética, foi usado a partir dos anos 1960 e o AT-6 Spiral foi empregado pela primeira vez no começo da década de 1970. Não se sabe quantos os iemenitas possuem ou quão velhos são seus estoques.

Estes mísseis poderiam ser empregados nos oito helicópteros de ataque russos Mi-35 Hind que os iemenitas têm. Mas não há sinal que eles estejam em melhor forma que suas aeronaves com asas.

Leia mais:

O massacre de civis que os EUA não confirmam e nem negam

Depois da primavera árabe, aumentam ataques dos EUA ao Iêmen

Clique aqui para ler o original, em inglês. Tradução de Marcus V F Lacerda. 

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